Festas no interior do nordeste

  • Márcio Pedro
  • 22/08/2011 10:36
  • Márcio Pedro

Você já foi a uma festa do interior? Eu quero dizer festa de sitio. Aquele lugarzinho que nem existe no mapa, e se existe muita gente não faz questão em achá-lo. As festas nestes lugares só acontecem em duas épocas do ano: em ano eleitoral ou em festa de final de ano a qual celebra o nome de um santo ou santa da igreja católica. Fora isso só um raro bingo com o melhor prêmio sendo uma bicicleta doada por um político daquela localidade, e que muitos nem mesmo sabem marcar a cartela.

Na festa de político, o povo se anima para ouvir aquelas palavras bonitas e frases de efeito ecoadas do microfone em cima do palanque cheio de buracos. As mães de família com sua prole de 6 crianças vigia com o olhar vivo por sobre as cabeças dos outros eleitores o filho mais velho que já tem a sua turminha social formada. O pai sério, espera o político falar, mas sem antes olhar para o céu e ver os fogos de artifícios explodirem no ar. Dá aquela risadinha tosca de quem está gostando e se volta para o alambrado quase caindo, para ouvir o político discursar. O discurso já começa com vários erros de português, que não são dados como erros naquela localidade onde o topo do conhecimento foi a quinta série. O político agradece a presença de todos. Começa agradecendo aos jovens por estarem ali presentes, idosos, as mães de família, aos idosos novamente, as crianças, estas com o olhar e os ouvidos nos brinquedos, aos pais de famílias e mais uma vez aos jovens munícipes. A namorada entre os braços do namorado, espera ansiosa pelo final do discurso, para poder apreciar e dançar com o conjunto musical que faz sucesso pelas redondezas, trazido pelo político principal. O namorado olha indiferente para o alvoroço da amada, mas não fala nada e a aperta mais forte. O tempo passa e os filhotes mais novos começam a abrir a boca prolongadamente, um gesto involuntário para que a mãe perceba que já está na hora de dormirem. E o discurso continua agora mais agressivo falando mal na administração passada. Um flach brilha nos olhos, é alguém tirando fotos para o álbum de família. Quando todos já não estão agüentando mais aquele papo de vou fazer isso, vou fazer aquilo, é anunciado que a banda começará a tocar “daqui a pouco”. E o discurso ali, forçando a entrada na mente daqueles filhos de Deus desconhecedores do mundo. Uma hora depois a banda começa a testar os instrumentos. Mas trinta minutos e ela começa a tocar. Aquele som grave sai acabando com nossa audição enquanto o cantor tenta consertar o microfone achando que é algum técnico em eletrônica. Se enrosca nos fios, pede mais tempo. A música recomeça e desta vez com um zumbido agudo e continuado que prejudica mais ainda nos nossos ouvidos. O técnico gira uns botões na mesa do som do outro lado da banda e logo acaba com aquela microfonia. Na primeira estrofe da música, o cantor troca a letra e a platéia acompanha pensando ser uma moda do momento. O show continua já há uma hora e a namorada do rapaz que estava com ela entre os braços passa a mão na testa para tirar o suor que aumenta a cada minuto. O namorado acompanha com passinhos tímidos a música de sucesso. O marido com sua camisa com os dois botões de cima abertos mostrando o peito vermelho, queimado do sol, olha para a esposa e faz um gesto com a cabeça insinuando que já é hora de juntar a tropa e ir embora. A esposa rapidamente tira do bolso algumas moedas e cédulas com frases de boa sorte riscadas de caneta e entrega a filha mais velha para ela comprar doces e irem comendo enquanto chegam em casa. A banda pára de tocar e todos voltam para casa com a roupa toda suja de barro.Os mais exaltados com o “mega-show” só de calça e a camisa toda suada enrolada na mão.

A festa de comemoração ao santo padroeiro atrai mais gente ainda, quero dizer devotos. Os brinquedos sujos de um parque de diversão velho iluminam a cidade com suas lâmpadas fluorescentes. A mãe aflita com a filha mais nova chorando por um ursinho de pelúcia grita com o filho do meio para ele se segurar bem na roda gigante. Outra criança lhe puxa a saia pedindo dinheiro para comprar sorvete. É aquela alegria toda, gente conhecendo gente, outros reencontrando familiares que há muito tempo não se viam, estes morando a menos de dois quilômetros um do outro. O cheiro do cachorro-quente entrando e saindo das nossas narinas. Um grupo de jovens dando psiu para as garotas que passam com calças que deixam parte da calcinha à mostra, outros atirando em doces com espingardas de chumbo. Por trás da gente um homem franzino passa aos berros gritando “quem dá mais?” mostrando quatro galinhas em sua mão. Logo atrás dele, uma beata vem com uma bandeja de ovos caipira misturados com ovos de granja também no mesmo tom: “quem dá mais?”. Logo se percebe que aquelas ofertas de trata de um leilão para ajudar a igreja e o padre. Um casal do lado da igreja sem iluminação, se aperta querendo entrar um dentro do outro. Num carrinho de doces, o proprietário fica sentado num tamborete com a mão segurando o queixo, esperando as crianças chegar e lhe perguntar quanto custa todos os doces do carrinho, um a um, e depois sair sem comprar nada.
Na frente da igreja o som que ouvimos é uma musica folclórica regional, tocada com zabumba, triangulo e pífano e cantada por homens, todos com mais de sessenta anos, onde também se encontra aos seus pés outras galinhas e ovos para ainda serem oferecidas no leilão, além de jacas, farinha, ovelhas magras, peru sem rabo e côco seco.

As comemorações, tanto de políticos como as de santos sempre terminam com bêbados escorados nos bancos da praça sem poder levantar.

As festas de interior são assim: puras, alegres, divertidas, extravagantes e anônimas como qualquer coisa do interior.

Caro leitor se você se identificou ou já foi a festas como estas, comente acrescentando cenas?