Causos Políticos

  • Redação
  • 05/10/2012 22:49
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O Devaneio de Manoel

Manoel nunca entendeu como se cadastravam títulos eleitorais. Uma vez lhe explicaram que os títulos dos votos comprados – ou alugados, como costumava se confortar – eram averiguados por fiscais especializados no tramite do submundo . Não se considerava corrupto porque justificava-se dizendo que “só recebia o próprio dinheiro que investia nos impostos”. Tem quem diga que ele realmente acreditava no que dizia. Mas ainda assim, nunca entendeu. E aproveitando desse “nunca entender”, Manoel sempre via na época política uma boa oportunidade para negócios. Sua cidade possuía centenas de candidatos a vereador; se dos mais desesperados conseguiria ganhar seus cinquenta reais, dos candidatos mais abastados financeiramente poderia barganhar entre oitenta e cem reais. Desde o meio do ano começou a fazer seus contatos e promessas de apoio a cada vereador que lhe confiava o “cadastro” – e o benefício. Pelas suas contas, esse ano garantiria entre cinco e sete mil reais. E o mais fácil: simplesmente vendendo seu falso apoio.

O curioso caso de Benjamin e Bruno.

 Benjamin e Bruno, há mais de dez anos, entraram no ramo de Cadastro de Votos. Sempre comum em épocas eletivas, os “Cadastradores”, algo bem parecido com Dementadores da série Potter, pregavam-se nos ovos dos candidatos mais abastados, quer dizer, altruístas. Nesse esquema eles iam em busca de organizar informações de várias famílias espalhadas pela cidade. Para Benjamin, estudado, a culpa sempre fora da Democracia Obrigatória. Desde sempre analisava que a corrupção vinha primeiramente dos cidadãos. E pra ele, quem seriam os políticos se não cidadãos mais espertos? No esquema, nos últimos anos chegavam a faturar até vinte mil por campanha – nada mal pra quem dispunha seu tempo para ludibriar o livre direito forçado do cidadão. Só que não.

Desde o ano passado B & B, Bruno e Benjamim, ganharam a confiança e a carga de carregar o dinheiro da campanha pra cima e pra baixo. E como andar com cinquenta mil reais no carro? Armado. Desde então andavam armados, se sentindo mafiosos, meio que gangster style. Bruno, principalmente. Benjamim, sempre nervoso, olhava pros lados, pra frente, pelo retrovisor. Qualquer carro ou moto que parasse no sinal atrás deles, sua mão já ia inconscientemente pra glock 21 gen 4 que portava na cintura.

Voto Inconsciente

Na sala da urna estava Dona Maria. Bem na hora do voto viu que esquecera de levar sua cola pra votar na vereadora que sim, tanto ajudou sua comunidade e muitas outras. Por questão de esquecimento, nervosismo e pressa de ir pra casa logo tomar seu cafezinho, votou naquele candidato que mal sabia o nome e por acaso um daqueles que deve ter mamado muito tempo no peito de mainha e desde lá não quisera mais viver sem mamar. E tudo culpa do compositor de jingles da musiquinha mais chata que não saia da cabeça da pobre e avoada Dona Maria.

A estrada tem seus buracos, Manoel.

Era sexta feira, faltavam dois dias pro grande finale – ou começo, talvez recomeço dependendo sempre do âmbito e do ponto de vista. Já tinha arrecadado mais da metade de sua meta durante a semana, muitos não lhe pagaram; “ – Se não pagam o voto comprado, como pagarão as promessas feitas?” – Compartilhava Manoel nas rodas de amigos. Pegou sua motinha velha, cabeça de porco modelo 87 e foi no povoado onde juntaria o dinheiro da sua meta numa tacada só: arranjou todo um bairro de informações para os tais cadastros de título. Ia pegar uma bolada de cem reais pra cada cadastrado, sendo que só repassaria cinquenta. Cidadão Esperto. Era naquela noite que sua motinha estaria prometida para uma reforma a la motoqueiros do asfalto. Sonhava em transformá-la numa quase harley davidson. Naquele momento, sonho não muito distante. Pegou a BR. A segunda rua depois do posto era o ponto de referência de onde teria de entrar. Entrou. No relógio 20:49. Uma estrada de barro cheia de buracos com muitos canteiros de fumo nas laterais. Apressado porque não queria perder a festa de seu tio Joaquim, sempre beberrão e prometera levar uma grade de cerveja pro grande acontecimento familiar. No meio de sua pressa e dos buracos inconvenientes, acontece aquele óbvio inimaginável: o pneu fura. Pior ainda, por conta dos buracos a calota e o ferraria do pneu entortaram. O celular não pegava, a operadora mal funcionava na cidade imagine a caminho de um povoado. “- A estrada tem seus buracos, Manoel” - ficou repetindo pra si mesmo enquanto esperava alguma ajuda.

Mais que uma pedra no meio do caminho

- Por que por essa estrada, Bruno? Tá muito escura, cara.
- É melhor ir por aqui. Esqueceu de quanto estamos levando, Benjamin?
- Não
- Pois é. Fique relaxado ai que não vai acontecer nada não meu irmão. Tá tudo certo.
- Vou tentar. Me dá o isqueiro, vou acender um cigarro.
- Toma. Eu ouvi falar que ficaram sabendo que íamos levar esse dinheiro hoje.
- Tu fala preu relaxar e me fala uma coisa dessas?
- Me perguntaram.
- Quem?
- Essa gente curiosa.
- E você anda falando sobre isso com gente curiosa?
- Não, não. Nada disso...
- O que é aquilo ali na frente?
- Aonde?
- Ali parado. É um cara de moto. Por que você veio por aqui, Bruno?
- Cara, relaxe. Vamo saber o que tá acontecendo.
- Puta que pariu, porque tu tá tão calmo, cara? Isso é coisa tua.
- Como é?
- É coisa tua. Nunca confiei em você. Marcasse com alguém pra esperar a gente passar por aqui com essa grana!
- Não cara, tá ficando louco?

Nervoso e tremendo, Benjamim puxa sua arma. Em questão de milésimos sua mente processa milhares de informações e um calafrio horrível na espinha anuncia que ali poderiam ser seus últimos momentos de vida. Para ele, naquela situação, estava mais do que óbvio que iriam lhe matar e fugir com todo o dinheiro. Não pensou duas vezes. Pensou três, ainda assim desferiu três tiros na cabeça de Bruno, que dirigindo em baixa velocidade não teve tempo nem de reagir. Desceu do carro, com sangue espirrado na camisa e num momento de surto nem ouviu o que homem da moto, também inquieto, lhe acenava gritando “Pare! Eu nã...”.

Acertou mais quatro tiros no desconhecido Manoel. Dois no peito, um no pescoço e um no rosto. Chegou perto pra ouvir o que o homem que não tinha cara de ladrão sussurrava. E ouviu:
- A estrada tem seus buracos, Manoel.

A Redenção.

Benjamim, em choque, ficou parado ali no meio da estrada de barro. Não conseguiria viver com todo aquele tormento, sua mente não lhe deixaria quieto. Nunca mais. Por coincidência e pra conforto do seu surto, um carro da polícia já aproximava como se estivesse “por perto”. “Por acaso”. Não se importou, só queria se entregar e ao menos na prisão pagar por todos os atos de sua vida, que nunca foram de se orgulhar. Levantou os braços para que os policiais algemassem-no, porém foi surpreendido com um tiro de doze no rosto.
Nesse momento, os três, Bruno, Manoel e Benjamin, jazem enterrados por debaixo dos canteiros de fumo de alguma estrada esburacada por ai.