Esteticamente primoroso, nova versão de Anna Karenina tropeça no roteiro não inspirador

  • Téo Santos
  • 25/03/2013 20:55
  • Cinemografia

Visualmente arrebatador, esbanjando criatividade e dono de uma trilha sonora praticamente colada a narrativa, Anna Karenina, a mais recente adaptação cinematográfica da celebrada obra de Leon Tolstói pode ser considerada como um grande acerto estético, mas que infelizmente deixa a dever um pouco na fluência de sua narrativa. Dirigido com esmero e óbvia dedicação pelo britânico Joe Wright (Desejo e Reparação), o filme esbanja criatividade, pois emula com capricho a dinâmica teatral, sem que com isso perca a unidade cinematográfica. Chega a ser "mágico" acompanhar as bem boladas mudanças de cenários enquanto as personagens desfilam em tela, além do encaixe das coreografias, dos efeitos sonoras e, principalmente, da trilha de Dario Marianelli (V de Vingança) à narrativa do filme. 
Contudo, apesar do visual primoroso, o roteiro de Tom Stoppard (Shakespeare Apaixonado) não impressiona, pois reduz bastante a complexidade das personagens - especialmente do trio de protagonistas, Anna Karenina, Alexei Karenin e Alexei Vronsky, interpretados por Keira Knightley(Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra), Jude Law (A Invenção de Hugo Cabret) e Aaron Johnson (Selvagens) - e não convence totalmente o espectador quanto ao surgimento do amor incondicionado sentido por Karenina e Vronsky. A questão social (divórcio) à época ambientada é bem pontuada, mas certamente poderia ter um desenrolar ainda mais profundo, visto que seu insumo vem de uma obra literária considerada por muitos como uma das mais notáveis da história. Com isso não digo que o trabalho de Stoppard foi mal sucedido, apenas que sagrou-se mediano, visto a potencialidade que tinha em mãos. E, comparado ao trabalho visual do filme, realmente o roteiro deixa bastante a desejar.
O elenco, apesar do roteiro apagado, se sai muito bem, até mesmo a comumente criticada Keira Knightley, que continua a utilizar as caras e bocas como muleta de interpretação, mas estas parecem se encaixar a psiché definida à sua personagem. Law e Johnson surgem bem caracterizados, porém sem tempo (ou espaço) suficiente em tela para apresentarem algo mais do que correto. Todavia, apesar de também aparecer pouco, Matthew Macfadyen (Os Três Mosqueteiros) se destaca em relação aos dois citados, não pela importância de sua personagem à trama (que, a julgar pelo filme, é quase nula, pois serve apenas como elo entre algumas personagens), mas sim pela função de alívio cômico da mesma, amplificada pela composição canastra do ator inglês. O longa conta ainda com as pontas de Emily Watson (Cavalo de Guerra), Kelly Macdonald (Má Companhia) e Olivia Williams (O Escritor Fantasma).
Já que a parte estética do filme é sobressalente as demais, é impossível não destacar a concepção visual e sonora do mesmo. Sendo assim, realizam um trabalho soberbo Sarah Greenwood (desenho de produção), Niall Moroney (direção de arte), Katie Spencer (decoração) e Jacqueline Durran(figurinos), além do diretor de fotografia Seamus McGarvey (Precisamos Falar Sobre o Kevin), que explora ao máximo a luz como ferramenta narrativa do filme. Não à toa alguns destes acabaram por receber indicações a premiações como Oscar e Globo de Ouro, tendo Durran faturado a estatueta do primeiro. Fechando o arcabouço estético do filme encontra-se a excelente trilha sonora composta porDario Marianelli, que realiza um efeito de amálgama entre música, efeitos sonoros e sonoplastia teatral, sendo assim uma ferramenta essencial a ambição narrativa proposta por Joe Wright e se sai muito bem nesta função.
Adaptar grandes cânones artísticos a outra mídia é sempre complexo, ainda mais quando a obra original possui particularidades que não necessariamente mostram-se presentes em nossa realidade atual (costumes, ideologias etc.), o que certamente gerará ruídos a esta plateia. Portanto, adaptações são necessárias, mas estas devem ser feitas com cuidado, para que a essência contida na obra original não seja perdida, o que parece ter acontecido nesta versão 2012 de Anna Karenina. Não li a obra, mas li um pouco sobre ela e confesso a vocês que, a julgar por este filme, não senti grandes questionamentos acerca do contexto social da Rússia czarista, visto que a dor e o romance são mais explorados pelo filme do que os por quês que as envolvem. Em suma, Anna Karenina é um bom filme, dono de um visual arrebatador, trilha sonora marcante e uma direção inspirada, mas que não desperta sensações afora a empatia estética, quando a outra metade - a ética - deveria ser tão explicitada quanto aquela.