Adaptação do best-seller sueco resulta num filme forte e com atuações poderosas

  • Redação
  • 17/01/2013 11:33
  • Cinemografia

Acredito que Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres seja o filme mais pop da carreira de David Fincher (Se7en, os Sete Crimes Capitais) até então (sim, ainda mais que O Curioso Caso de Benjamin Button e A Rede Social, apesar destes serem mais "acessíveis"), especialmente por se tratar de uma adaptação cinematográfica de um best-seller sueco ainda bastante em voga quando se deu o lançamento da obra fílmica, em 2011. Bastante fiel a obra original, mas principalmente bem executado e construído como filme, Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres pode não apresentar um novo lado de Fincher como cineasta, mas condensa com propriedade a técnica do diretor, que já havia visitado o gênero suspense em pelo menos dois trabalhos anteriores, Zodíaco e o já citado Se7en.

Apontado por mim como um dos dez melhores filmes lançados em 2012, o filme é competente ao apresentar duas tramas distintas - a de Mikael Blomkvist (Daniel Craig, de 007 - Operação Skyfall) e a de Lisbeth Salander (Rooney Mara, de A Rede Social) com o mesmo nível de interesse, desenvolvendo com propriedade os dois personagens que terão suas vidas conectadas a partir do segundo ato do filme. Carregado, tenso e violento, Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres não se contenta em ser apenas um thriller de investigação, pois carrega nas entrelinhas crítica política (como se cria e se mantém um império bilionário em plenos século XXI?) e social (a descrição da sociedade sueca feita por um determinado personagem do filme pode ser atribuída a qualquer nação do lado ocidental), além de funcionar como filme-denúncia aos maus tratos às mulheres, também com foco no país ambiente da obra, Suécia, mas que é entendido como igual em qualquer parte do mundo.

Os inúmeros detalhes dispostos no filme são condensados com eficiência pelo roteirista Steven Zaillian(vencedor do Oscar por A Lista de Schindler), que não perde a mão nem mesmo ao desenvolver os momentos supostamente menos importantes à trama com profundidade. Eis um elemento que se encontra amparado em todos os âmbitos da película, pois mesmo se tratando de um produto de entretenimento em momento algum os envolvidos na produção se furtam de desenvolver ao máximo o entorno do filme, tornando-o não só eficiente como entretenimento, mas dando um corpo de profundidade sincera ao seu entorno.

No âmbito técnico não há muito a se discutir. Apoiado por alguns dos melhores profissionais do ramo,David Fincher constrói o filme de forma a destacar o clima de isolamento proporcionado pelo inverno sueco, juntamente ao clima de urgência e tensão, elementos caros a maior parte da filmografia do diretor. Apesar do filme possuir certa uniformidade, é impossível não destacar o trabalho do diretor de fotografiaJeff Cronenweth (Clube da Luta), que extrai beleza de um ambiente extremamente apático e inóspito, especialmente ao destacar as personagens em contraponto a geleira ao redor em tomadas panorâmicas. Outro grande estaque encontra-se no campo sonoro, pois tanto a trilha musical assinada pela dupla Trent Reznor e Atticus Ross (A Rede Social) quanto a edição (Ren Klyce) e mixagem de som (David Parker,Michael Semanick, Bo Persson e Klyce) são impecáveis, grandes responsáveis pela ampliação do clima frio e de tensão proposto pela estética da obra. Não à toa estes foram agraciados com indicações ao Oscar.


Por fim, mas não menos importante, há de ser destacada a composição da dupla de protagonistas do filme, Daniel Craig e Rooney Mara, que ao lado de Fincher e Zaillian criam personas críveis e carismáticas, mesmo que recheadas de idiossincrasias e no mínimo problemáticas, talvez sendo suas características estranhas que despertam tanto a atenção do espectador. Craig, apesar de contido, acrescenta alguns tiques e manias ao seu personagem que acabam por estabelecer com mais precisão a personalidade do mesmo, sendo impossível não sentir empatia pelo seu jornalista de óculos dependurado em uma das orelhas. Contudo, mesmo que o trabalho do atual James Bond do cinema seja digno de aplausos, inquestionavelmente o grande nome do filme é Rooney Mara, que literalmente se entrega de corpo e alma a complexa personagem Lisbeth Salander, hacker que domina e é constantemente dominada pela violência e que usa da aparência e das práticas ilegais como uma maneira de se desprender de sua triste realidade. Indicado a diversas premiações de gabarito por esta composição de personagem - inclusive os tarimbados Oscar e Globo de Ouro -, Mara brilha neste seu primeiro trabalho como protagonista de um filme, estabelecendo uma versão de Salander tão interessante quanto a da atriz Noomi Rapace (Prometheus), que fez a personagem na adaptação sueca de 2009.

Bem pensado em todos os sentidos, inclusive fechando seu ciclo narrativo ao ter um início e fim em clima de melancolia, é certo que Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres não é uma unanimidade entre aqueles que apreciam o trabalho de Fincher, que o consideram como um "filme de encomenda" e destacam que a direção do mesmo apresenta-se um tanto quanto "óbvia" demais em alguns momentos. Contudo, particularmente acredito que tal abordagem tenha sido proposital e serve a narrativa do filme, justamente pela questão da frieza e apatia proporcionada pelo ambiente (natural e pessoal - o que seria a família Vanger se não um exemplo de desapego e falta de vida/luz/calor?) no qual a trama se passa ser refletida no âmbito técnico, dando assim coesão à obra como um todo. Certamente não consideraria este como o melhor filme de David Fincher, mas isso em nada extirpa suas virtudes, especialmente a de ser um ótimo filme de gênero, muitíssimo bem conduzido e, por que não, surpreendente. Ainda não é certo se haverão mais duas sequências - ainda existem mais dois livros que fecham a "saga" Blomkvist/Salander -, porém o filme funciona sozinho, independentemente do gostinho de quero mais que fica após o seu desfecho.

Obs.: A apresentação dos créditos inciais do filme está entre os melhores já vistos nos últimos dez anos, mesmo que para alguns - "insensíveis?" - não seja mais do que um video-clipe anexado ao filme.