Radar do sexo: prostituição e tráfico de drogas às margens da rodovia

  • Redação
  • 23/09/2011 06:01
  • Cidade

Reduzir a velocidade ao se aproximar do radar eletrônico da rodovia AL 110, em Arapiraca, pode ter dois significados. Um deles é evitar multas, que podem variar entre R$ 192 e R$ 900. O outro é a farta variedade na oferta de sexo. Diariamente, sempre após as 21 horas, travestis utilizam o local como vitrine para exibirem seus corpos, buscando chamar a atenção de motoristas e motociclistas que trafegam pela rodovia.

Rostos maquiados, cabelos longos, blusas decotadas, saias curtas e corpos bem desenhados, os profissionais do sexo escolheram o radar eletrônico para negociar alguns momentos de prazer em troca de dinheiro. O valor do programa também é variado. Dependendo dos “serviços” solicitados pelo cliente, o pagamento pode variar entre R$ 50 e R$ 200.

Nossa equipe de reportagem conversou com Tati, um travesti que não quis revelar seu verdadeiro nome nem o “nome de guerra”. Segundo ela, atualmente existem mais de 15 profissionais do sexo na área do radar eletrônico. “Antes éramos três, depois seis, oito, dez e agora passamos dos quinze. A convivência é boa, mas, apesar disso, vez por outra acontecem brigas por conta de disputas por clientes”, frisou.
Ainda de acordo com Tati, a vida de profissional do sexo não surgiu por opção, mas por necessidade. “Eu era homossexual e morava no sítio, na zona rural de Girau do Ponciano.

Era muito discriminado, inclusive pelos meus pais que não aceitavam o meu jeito de ser. Foi então que conheci um travesti que me confidenciou estar ganhando muito dinheiro fazendo programas. No dia seguinte abandonei minha casa e até hoje não voltei. Após três anos no ramo, ganho o suficiente para viver, pagar meu aluguel e ainda tenho tempo de trabalhar durante o dia como cabeleireiro autônomo”, confidenciou.

Questionada sobre o por quê de escolherem o radar eletrônico como ponto de programa, o travesti falou em estratégia. “Muitos dos nossos clientes são caminhoneiros e passam por aqui, geralmente com destino a São Sebastião ou Própriá/SE. Mas também temos clientes de carros de passeio. Geralmente são homens casados, com faixa etária entre 40 e 70 anos”, alegou.

Tati disse também que a vida de “garota de programa” não é tão fácil como alguns dizem ser. Os casos de agressão e até de assassinatos crescem a cada dia. “Não é fácil a pessoa ter que fazer sexo com pessoas nunca vistas. Alguns homens fedem, são estúpidos e até batem na gente. Nesses casos, eles podem sentir prazer, mas eu não. Faço pela necessidade e, principalmente, pelo dinheiro. Há cerca de dois anos, uma colega de Sergipe foi encontrada morta às margens de uma rodovia, horas depois de entrar numa boléia de um caminhão”, lamentou.

Consumo de drogas faz parte do dia-a-dia

Os profissionais do sexo ainda revelaram à nossa equipe de reportagem que as drogas fazem parte do cotidiano. Algumas garotas são usuárias de entorpecentes e os traficantes trazem o produto em domicílio. “Nem todos os veículos que param no radar estão em busca de aventuras sexuais. Alguns deles trazem maconha e crack para viciados”, disse Tati, que garantiu não usar qualquer tipo de droga.

Questionada sobre o desejo deixar a profissão de garota de programa, Tati revelou que sonha em fazer faculdade de moda, comprar sua casa e encontrar a alma gêmea. “Quero muito deixar essa vida. Se hoje eu tivesse alguma quantia guardada iria estudar e prestar vestibular para a faculdade de moda em São Paulo. Meu sonho é ser estilista e promover um desfile de grande porte. Sonho também em comprar minha casa e me casar com alguém que me ame de verdade”, finalizou.

COMPORTAMENTO - Desde meados dos anos 70, quando despontaram nas esquinas das metrópoles brasileiras com saias minúsculas e seios exuberantes, essas criaturas híbridas conquistaram um espaço enorme no imaginário sexual do país. Todos os dias, milhares de homens se esgueiram por avenidas sombrias para comprar o prazer oferecido por seus corpos alterados.

O antropólogo americano Don Kulick passou um ano vivendo com travestis em Salvador, sabe muito de seu cotidiano e mesmo de suas preferências íntimas. Mas não se arrisca a explicar quem são seus clientes. “Essa é uma grande incógnita. Embora acompanhasse os travestis todas as noites, não consegui distinguir um cliente típico”, diz. O livro de Kulick, professor da Universidade Nova York, recebeu o título “Travestis: Prostituição, Sexo, Gênero e Cultura no Brasil”. Kulick conseguiu uma descrição razoavelmente rigorosa do que os fregueses exigem dos travestis. Durante um mês, pediu a cinco deles que registrassem o tipo de serviço prestado nas ruas. O resultado de 138 programas: em 52% dos casos os clientes queriam sodomizar, em 19% exigiam sexo oral, 18% queriam fazer aquilo que se costuma chamar de “troca-troca”, 9% pagaram para ser sodomizados e 2% para ser masturbados. “Não é insignificante que 27% dos homens nessa amostragem quisessem ser penetrados por travestis”, escreve s Kulick.

A confiar apenas no que dizem os travestis, o porcentual de seus clientes que se portam como homossexual passivo é alto. “Nove em cada dez homens querem ser penetrados. Se o travesti não for bem-dotado e ativo, não ganha a vida na rua.”, frisou. Exagero? Talvez. Assim como as prostitutas, os travestis têm uma relação antagônica com aqueles que pagam para usar seu corpo. Muitos não suportam exercer o papel viril que se exige deles na prostituição e o fazem com grande sofrimento, porque não encontram outra forma de ganhar a vida.

Vingam-se dessa situação degradante com a mesma arma que a sociedade usa para humilhá-los: questionam a hombridade do freguês e o ridicularizam.