"RMA é uma criação de caráter estritamente regional"

  • Redação
  • 13/04/2012 03:17
  • Você Repórter

A formação político-jurídica do Estado brasileiro e de seus entes estatais remonta ao Império, com a divisão do território em Províncias. O Estado unitário, caracterizado na Carta Constitucional de 1824, permitia ao imperador nomear presidentes de províncias que a ele se reportavam diretamente.

A Constituição de 1891 consagrou, em seu artigo 1º, como em um passe de mágica, a transformação das antigas Províncias em “Estados Unidos, do Brazil” (artigo 1º), o que denota a intenção simbólica de abandonar o velho regime e dotar o novo, republicano, a exemplo do que acontecia em países industrializados, como os Estados Unidos.

Nas Constituições seguintes, a concentração de poderes nos estados e na União não muda significativamente, até que, com a Constituição de 1946, os municípios passam a ter autonomia e um protagonismo maior, sendo-lhes permitido, inclusive, integrar regiões metropolitanas de entes estaduais diversos.

A crescente urbanização brasileira, a partir da década de 1940, levou à ocupação irregular e desordenada dos novos centros urbanos, sobrecarregando os municípios de inúmeras tarefas, sem as contrapartidas orçamentárias adequadas para fazer face aos desafios consequentemente impostos.

O período ditatorial de 1964 a 1985 piorou a situação, em razão do processo de centralização do poder na esfera da União.

O Federalismo de 1988

A Constituição do Brasil estabelece a forma Federativa de Estado, dotando os entes políticos de autonomia e capacidade de auto-organização, numa perspectiva de cooperação e integração, o que se verifica pela previsão de instrumentos que tenham o condão de auxiliar o Estado a realizar seus objetivos fundamentais, previstos nos artigos 1º e 3º da Carta Magna.

Entre esses instrumentos podemos destacar: a possibilidade de a União instituir “regiões de desenvolvimento”, previstas no artigo 43 da Constituição; de os Estados instituírem, por lei complementar prevista no artigo 25, “regiões metropolitanas, aglomerados urbanos ou microrregiões” como forma de melhor atender interesses públicos; ou, ainda, a previsão do artigo 241, que autoriza a constituição de consórcios públicos ou convênios de cooperação intermunicipais – com ou sem a participação de estados e da União –, de modo a racionalizar esforços na gestão de tarefas comuns, em verdadeiro exemplo de federalismo cooperativo.

A Constituição do Brasil consigna as tarefas dos entes políticos considerando a amplitude do interesse coletivo diretamente tutelado e pressuposto da ação do Estado.

O princípio da prevalência do interesse, como critério que determina competências dos entes políticos, leva em conta justamente a caracterização do interesse coletivo envolvido na ação político-institucional do Estado brasileiro, seja na realização e implementação de uma política pública, seja na imposição de obrigações aos cidadãos.

Esse critério determina que matérias de

alcance nacional, aquelas que envolvam áreas contíguas entre dois estados ou mais da Federação, bem como que demandem uma ação específica do poder federal, são atribuídas à União, como se vê na possibilidade de criação de regiões de desenvolvimento prevista no artigo 43 da Constituição. Aos municípios é atribuído tudo aquilo que diga respeito ao interesse local, atinente portanto à organização do espaço territorial em que as pessoas efetivamente vivem. Já aos estados cabe a denominada “competência residual”, referente a matérias caracterizadas pelo interesse regional.

Interesse metropolitano

As regiões metropolitanas são figuras administrativas sobrepostas aos municípios e que com eles devem atuar em esquema de cooperação. Sua instituição legal busca propiciar o enfrentamento de complexos desafios de gestão resultantes das inter-relações dos municípios que a integram. Realidade essa que demanda um esforço especial de planejamento e execução de funções públicas de interesse comum.

Em 2002, o Supremo Tribunal Federal reafirmou interpretação do “interesse metropolitano”, definido no artigo 25, §3º da Constituição, segundo a qual cabe às Assembleias Legislativas dos estados identificar e especificar o chamado “interesse coletivo regional”, facultando-lhes instituir e qualificar regiões e políticas metropolitanas em suas respectivas unidades da federação.

Atualmente existem no Brasil 40 regiões metropolitanas instituídas pelos legislativos estaduais. O poder constitucionalmente atribuído às assembleias de definir e formalizar essas regiões tem resultado na criação legal de “metrópoles” que em muitos aspectos fogem da concepção mais comum desse termo, segundo a qual o qualificativo “metropolitano” se aplica a aglomerados urbanos que se destacam no macrocenário nacional pelo seu peso populacional, econômico e cultural. Definição que não se aplica, por exemplo, aos casos da Região Metropolitana do Agreste (AL), das Regiões Metropolitanas de Guarabira e Patos (PB) e da Região Metropolitana da Foz do Rio Itajaí (SC), cuja criação, ainda que legítima, segue uma lógica de menor escala, de caráter estritamente regional.

O fato de as regiões metropolitanas serem criadas na esfera estadual não significa que o município não possa ou deva participar das definições e implementações de políticas públicas no âmbito de região metropolitana que integra, mas apenas que a definição das funções de interesse comum está fora de sua alçada de atuação.

A prevalência do interesse como critério definidor de competência revela a preocupação do legislador constituinte em, por um lado, não deixar tarefa estatal sem atribuição a ente ou órgão específico e, por outro, propiciar a realização de tarefas compartimentadas que, na somatória de esforços, alcancem melhor realização de funções públicas de interesse comum. A figura jurídica da região metropolitana pressupõe, portanto, a ação conjunta de municípios e estados na realização de políticas públicas coletivas, como saneamento básico, transporte, educação, saúde e lazer.

Como ensina Alaor Caffé Alves no artigo “Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado brasileiro”, postula-se igualmente a exigência de um novo conteúdo organizacional de gestão regional, por força da própria Constituição Federal, onde a cooperação e a coordenação intergovernamental passam a ter uma dimensão institucional própria, representada pela exigência de unidades integradas e personalizadas de ação pública de interesse comum. Isto deverá repercutir profundamente na forma de planejamento, programação, execução e controle de funções estatais e de serviços públicos de caráter urbano-regional, em nosso sistema federativo.

Conforme frisa o próprio Caffé Alves, essas mudanças dos modelos de organização e gestão são fruto do esforço de responder a demandas e desafios impostos por novas realidades sociais:

Assim, observa-se mais uma vez a concretização da tese de que o desenvolvimento material das condições da vida social e econômica determina a exigência de se adotar novas formas organizacionais das relações humanas, tendo um efeito inafastável no plano das relações jurídicas.

Oportunidades à frente

Os consórcios públicos e os convênios de cooperação para a gestão associada de serviços públicos de interesse comum são instrumentos valiosos à disposição das regiões metropolitanas, como forma de disciplinar a gestão compartilhada de funções públicas, bem como atribuir responsabilidades e metas aos entes federados deles integrantes.

Mais promissora ainda é a possibilidade da criação de convênios bilaterais ou multilaterais entre municípios integrantes de uma região metropolitana, capazes de facilitar a atuação sinérgica na abordagem de tarefas de interesse compartilhado.

A recente aprovação da Lei nº 1.139, em junho de 2011, que reorganiza a Região Metropolitana da Grande São Paulo e cria o respectivo Conselho de Desenvolvimento, demonstra que o instrumental jurídico autorizativo para a ação dos entes federados está em aperfeiçoamento. Nessa linha, novas relações jurídicas poderão se constituir, traduzindo-se em melhor prestação de serviços públicos e oportunidades de negócios em infraestrutura, transportes, moradia popular, atendimento à saúde e muitas outras áreas de interesse compartilhado pelos habitantes e gestores das regiões metropolitanas. E, felizmente, o ordenamento jurídico brasileiro já dispõe de figuras como contratos de parceria público-privada, contratos de gestão e termos de parceria, aptas a viabilizar e multiplicar iniciativas nesse sentido.