'Hipólito da Asa Branca' recebe primeiro transplante de pulmão bem sucedido após Covid-19

  • Com informações Folha de São Paulo
  • 02/05/2021 10:42
  • Agreste

No próximo dia 14, o empresário arapiraquense José Hipólito Correia, 61, popularmente conhecido como "Hipólito da Asa Branca, comemorará três meses de um transplante de pulmão inédito no país que lhe devolveu a vida, após ter tido o órgão destruído pela Covid-19 com uma fibrose irreversível.

Ele espera ter alta na mesma semana, após completar quase sete meses de internação hospitalar. Desse total, passou 88 dias ligado à Ecmo (Membrana de Oxigenação Extracorpórea), uma espécie de pulmão artificial que oxigena o sangue fora do corpo, substituindo temporariamente o órgão comprometido de maneira severa.

O transplante foi feito no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e é o segundo realizado com paciente que teve Covid na instituição. O primeiro doente, porém, não sobreviveu. No mundo, foram documentados cerca de 50 procedimentos desde o início da pandemia.

"Se não tivesse ocorrido o transplante, certamente o paciente já teria morrido", diz o cirurgião torácico Marcos Samano, coordenador de transplante pulmonar do Einstein e professor da USP.

A cirurgia demorou dez horas e envolveu sete profissionais e a situação inusual de ter um paciente conectado a duas Ecmos simultâneas: aquela à qual ele já estava ligado antes e outra usada durante o transplante.

"Para a alegria geral, os dois equipamentos foram desconectados logo após o procedimento", afirma Samano.

O caso de Costa suscitou vários debates técnicos e éticos. Afinal, por que priorizar um paciente que acabou de entrar na lista de transplante, atingido por uma doença da qual ainda se sabe tão pouco?

Só no estado de São Paulo há pelo menos cem pacientes à espera de um pulmão. No Einstein, são 35.

A favor do empresário havia o fato de que ele era muito saudável antes da Covid (caminhava 15 km diariamente na orla de Maceió) e, mesmo com a doença, seus outros órgãos estavam preservados.

A situação foi discutida na Câmara Técnica de Transplante de Pulmão, ligada ao Ministério da Saúde, que autorizou a cirurgia.

"É um procedimento de alta complexidade, que exige que o paciente tenha condições mínimas de fazê-lo. Ao fazer um transplante sem grandes chances de dar certo, você não só mata o paciente como mata também aquele outro da lista que não teve a possibilidade de ser transplantado", explica o pneumologista José Eduardo Afonso Júnior, coordenador médico do programa de transplantes do Einstein.

Segundo o médico, antes da Covid-19, pacientes que ficavam gravemente doentes do pulmão por um evento agudo nunca eram candidatos a transplante. "É um paciente que está há muito tempo na UTI, muito enfraquecido, colonizado por bactérias."

Com a pandemia, muitas pessoas saudáveis passaram a morrer rapidamente de complicações pulmonares. A partir de relatos de transplantes feitos com sucesso no mundo, o Einstein decidiu encarar a empreitada.

Os candidatos precisam passar por avaliação de médicos, psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e também pelo serviço social (o paciente tem que ter condições de fazer reabilitação após a alta, por exemplo).

Outro critério é o paciente estar consciente e autorizar o transplante. Costa estava sedado, mas foi acordado. "Na maioria das vezes, a gente tem um paciente grave e não conseguimos acordá-lo. Acordamos o paciente, conversamos com ele e ele respondeu que, sim, queria muito criar os netos e os bisnetos", conta Samano.

A recuperação foi trabalhosa. Além da perda muscular sofrida durante o longo período na UTI após o transplante, ele teve complicação neurológica e convulsões com rebaixamento do nível de consciência, devido ao uso das medicações imunossupressoras. "Foi o ponto de maior preocupação, mas, depois de alguns dias, ele se recuperou bem", diz o médico.