Juventude x suicídio: porque tem se tornado uma combinação cada vez mais comum?

  • Milliam Nascimento
  • 19/11/2013 23:25
  • Milliam Nascimento

 

“Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar...” (Cartola)

Nos últimos dias, aqui em Arapiraca, nos deparamos com o suicídio de um jovem e este fato comoveu toda a sociedade. A ideia de começar o post com essa música do Cartola não é minha, copiei de uma amiga, mas ela me fez pensar tanto sobre tal situação que, apesar de ser um tema extremamente difícil pra mim, me fez querer escrever para vocês.

E uma pergunta se faz presente: por que nossa juventude tem buscado essa “solução”? Não pretendo aqui dar respostas, mas trazer o tema pra discussão!

Costumo sempre dizer que quando se trata de seres humanos não há uma resposta pronta, não há como prever situações ou como adivinhar os porquês!

Vivemos numa sociedade em que perdemos valores essenciais: não há respeito à vida, às pessoas. Hoje nós temos a sensação de que podemos tudo e que há justificativa para tudo! Vemos cada vez mais cedo a falta de limites e que as coisas são permitidas em nome do “liberalismo”: tudo pode, tudo vale!

Em contraponto, vemos o desenvolvimento tecnológico, em que ao nascer a criança já tem tudo a sua disposição: ela precisa saber de tudo, o mais rápido possível, e ela pode ser o que quiser! São tantas opções, tantas coisas, tanta pressão!

Você pode estar se perguntando agora: e o que isso tem a ver com suicídio?

Na minha opinião: tudo!

Pela prática clínica e vivência do dia a dia percebo que uma parcela considerável dos jovens não tem perspectiva de vida, não pensam no futuro, tudo tem que ser agora e como eu quero! Toda informação está ao seu alcance e não se sabe bem o que fazer com isso. A pressão constante sobre o ser e sobre o ter tem desestruturado muitos de nossos jovens e parece que a maioria da população não percebe isso!

E muitos de nossos jovens tem buscado uma solução fácil e imediata: acabar com a própria vida! Se ela não faz mais sentido, não preciso continuar vivendo. Esse parece ser o pensamento.

É importante entendermos que, a probabilidade de uma pessoa cometer suicídio varia de acordo com uma série de situações que podem iniciar com a ideação suicida – pensamentos acerca da possibilidade de cometer o suicídio -, a tentativa de suicídio – gestos auto-destrutivos não fatais –  até ao suicídio consumado, que resulta em morte.

E aí surge o questionamento: qual o motivo de terminar com a própria vida? Essa pergunta não é de fácil resposta. O que é consenso é que a pessoa que assim pensa pretende acabar com o sofrimento que vem sentindo e a morte parece ser a solução mais viável. Não podemos esquecer que para algumas pessoas pode ser visto como um pedido de ajuda. Cada pessoa tem seu motivo, e uma mudança repentina nas suas circunstâncias de vida, tais como dificuldades financeiras, desemprego ou perda de estatuto socioeconómico, mudanças no contexto familiar ou relacional (divórcio, fim de uma relação, morte de um familiar…) ou ainda a sensação de isolamento, solidão e a ausência de horizontes ou projetos futuros podem se constituir como fatores relevantes. Outro fator a ser considerado é a existência de problemas psicológicos e/ou mentais, tais como depressão, transtornos de humor, entre outros.

Nunca saberemos, de fato, o que se passa na cabeça de alguém que pensa em cometer suicídio porque não há como transparecer em palavras a falta de esperança, a ideia de que não há solução para os problemas, que o fardo está pesado demais. Teremos uma vaga ideia, mas não podemos julgar.

E vejo o suicídio assim: extrema falta de esperança. Se eu não tenho o que esperar, não tenho com que sonhar, não acredito em mais nada, qual o sentido de continuar vivendo? Em certa medida, em algumas situações, nos vemos sem esperança, mas com o passar do tempo, com calma, com ajuda, muitas vezes mudamos a perspectiva e as soluções aparecem, o ânimo volta. Mas para a pessoa que pensa em cometer suicídio esse processo não ocorre.

E a busca por essa “solução” tem reflexo na cultura imediatista em que vivemos! Nossos jovens não tem sido ensinados a enfrentar as frustrações, aos nãos que a vida, que as pessoas nos dão. Eles tem aprendido que tudo tem que ser pra hoje, pra agora. Não há reflexão sobre as situações, os problemas. E isso não se reflete só nos nossos jovens, mas nos adultos também!

É comum associarmos o suicídio a depressão, mas devemos lembrar que nem toda pessoa que tenta, ou que comete, suicídio tinha depressão. É comum acontecerem pensamentos suicidas, mas isso não quer dizer que a pessoa irá cometer o ato.

Um mito muito comum entre nós é de que a pessoa que quer se matar não avisa, vai lá e faz.  E nesse sentido podemos encontrar muitas pessoas que encaram a tentativa como um pedido de socorro, uma forma de sinalizar que algo não está bem. E assim pode ser, mas em alguns casos a morte só não aconteceu porque houve intervenção de terceiros, e essas pessoas costumam tentar outras vezes. Temos que lembrar que é uma escolha pessoal, por mais que não concordemos com isso! Em outros casos, a dúvida entre morrer e continuar vivendo é tão grande que a morte acontece por acidente. A pessoa tem ideias suicidas e tenta cometer tal ato sem tanta convicção e aí acaba morrendo porque não conseguiu receber ajuda a tempo ou o método escolhido é extremamente fatal.

Um dado interessante a ser analisado refere-se as questões de gênero. Em termos de números é fato que há mais suicídios entre homens do que entre mulheres. E por que isso? Uma das explicações refere-se aos métodos usados. Homens, normalmente, utilizam-se de métodos que levam a morte com maior rapidez e que são mais difíceis de reverter como usar armas de fogo ou enforcar-se. A maioria das mulheres que cometem suicídio o fazem através da ingestão de altas dosagens de remédios ou a ingestão de veneno, e esses métodos podem ser revertidos com certo grau de facilidade se a pessoa for atendida a tempo.

Normalmente as pessoas dão sinais e planejam cometer suicídio. O que acontece é que talvez os sinais não sejam tão claros para as pessoas próximas, o que dá a ideia de que o ato foi impensado. Por isso é importante estar atento ao comportamento. Mudanças bruscas são indicativos de que algum problema está acontecendo. Isolamento, tristeza aparente, afirmar que nada tem solução, tomar providências com relação a morte (desfazer de coisas pessoais, providenciar solução para situações práticas da vida, despedidas, etc.), demonstrar interesse sobre morte e sobre métodos, podem ser indicativos de que a pessoa está pensando em cometer suicídio.

Buscar o acompanhamento psicológico é um importante fator de ajuda para aqueles que pensam, ou que já tentaram cometer suicídio. Analisar as crenças, as dificuldades, situações de vida, conversar sobre essas situações, buscar compreendê-las pode ajudar a superá-las. Buscar o desenvolvimento de habilidades e de superação das dificuldades pessoais parece ser um bom caminho para ajudar. Em algumas situações será preciso o uso de medicações, principalmente quando houver transtornos mentais associados.

Não é fácil falar sobre esse tema. Existem muitas convicções pessoais que tornam difícil a compreensão desse tipo de situação. Cada pessoa vai entender diferente, e não nos serve buscar explicações ou julgar. É importante prestar apoio aos familiares e pessoas próximas a quem cometeu suicídio e buscar ajuda psicológica para aqueles que tentaram. Levem a sério quando alguém diz que “a vida não faz sentido”, “não vejo solução para meus problemas”, “se eu morrer meus problemas acabam”. Observem o comportamento, principalmente aqueles relacionados ao isolamento.

E ratifico: em se tratando de seres humanos nada é unanimidade, não há receitas: cada caso é um caso!

Como sempre o espaço está aberto para dúvidas e sugestões.

Até o próximo post.

p.s.: deixo aqui os meus sinceros sentimentos aos familiares e amigos. Compreendo a dor de vocês. Tentei aqui esclarecer alguns pontos e talvez, a minha maneira, ajuda-los. Peço a Deus que os conforte.